O RPG é um meio extremamente propenso para
se produzir arte. A própria
elaboração da ficha de jogo é um ato criador, dá vida a um personagem. Através
do RPG os mestres e jogadores costumam criar diversos artefatos de jogo;
diários, desenhos, mapas, brasões, livros e cartas envelhecidas, selos de cera,
etc. São produções que se mediadas e potencializadas podem ser mais que
exercícios, podendo se tornar verdadeiras obras de arte.
Lembro-me, da época em que jogava RPG,
da visita à casa de um mestre da cidade de Casa Branca (SP), Alex Primão. Ele
era conhecido por criar histórias fantásticas, ricas e embasadas num contexto
histórico muito apreciado. Mas eu o admirava por outras qualidades. Era um
artista. Criava livros extremamente belos, trabalhados à mão, para suas
histórias. Detalhava as bordas, a capa... Seus desenhos eram impressionantes e
quando não retratavam seus personagens, retratavam situações de suas histórias.
Achei fantástico. Inspirei-me nele e também comecei a utilizar artefatos de
jogo em minhas histórias. Como não desenhava tão bem, encontrei outras formas de
expressar-me, artisticamente, através do RPG. Meus livros eram feitos no
computador, mas também possuíam arte, envelhecia-os usando café e a chama de
uma vela, página por página, tornando-os belos e únicos exemplares de uma arte
sem pretensões comerciais. “Temos aqui mecanismos de criatividade, motivação,
etc. Nem sempre nós, professores, temos tempo para preparar esses artefatos
para os nossos alunos, já que vivemos correndo pra lá e para cá” (HIGUCHI, 2004,
p. 262).
Depois comecei a desenhar. Não
desenvolvi muito este talento como outros colegas, mas o suficiente para
perceber o quanto o RPG poderia estimular esta prática se usado na educação.
Afinal, qualquer história depende de personagens (que podem ser desenhados como
primeiro exercício de criação visual da história), as próprias vestimentas
podem servir de pretexto para o desenho de tecidos, texturas, etc. Os
personagens vivem em um cenário que pode ser desenhado em um exercício de
paisagens ou arquitetura, por exemplo. Mas, também, pode-se desenhar situações
relacionadas ao jogo, registrando artisticamente a história criada pelo grupo.
Ou, quem sabe pintar? Fazer uma escultura?
Gostaria de explorar
a construção da ficha, os desenhos, as formas, mas acho que muitos aqui já a
conhecem. Dêem uma olhadinha nessas fichas e observem os talentos. Já observei
o desenho, que eles estavam ligados para a arte, por exemplo (PIRES, 2002, p. 109).
A criação pode ser também em outras
áreas; por exemplo, explorar a arte digital, design, música, hipermídia. O RPG
pode ser usado para se criar livros, histórias em quadrinhos, jogos de
computador, vídeos, animações e até programas de rádio, como a radionovela “Labirinto”,
que, com o tema de Role Playing Game em suas histórias, foi produzida por
jogadores de RPG, na USP.
As aventuras que produzimos
chegam em situações em que o ouvinte é convidado a participar. Por exemplo, os
três personagens se encontram numa emboscada, o que eles devem fazer? Eles
devem tentar salvar a princesa, desistir, procurar uma outra saída? Ou, então,
os ouvintes podem sugerir que as personagens participem da aventura de uma
outra maneira (ALVES, 1996).
Lembro-me que minhas sessões de jogo
eram muito climáticas. Separava músicas que vez ou outra eram utilizadas para
dar clima na história ou, o que era ainda mais comum, servir de apoio à
história, contando parte dela através de músicas cuidadosamente selecionadas, a
partir da história dos personagens. Eis mais um gancho para explorar a arte
através do RPG. Música. Até hoje tenho algumas das coletâneas que criei, com
capa, contracapa e até arte interna com desenhos ou colagens, numa espécie de
mosaico, com diversas apropriações, o que aliás, serve de mais um gancho para
nossas aulas através do RPG.
Algumas questões ligadas à criação
ficcional também são pertinentes. O que Pavão (2000) chama de pilhagem, na arte
é chamado de apropriação (Gancho para outra aula de arte?). Eu mesmo utilizei
muito. Tanto para construir imagens quanto narrativas. Apropriei-me de diversas
histórias para construir as minhas, do cinema às HQs, entretanto, ao invés de
criar uma cópia, como o termo pode indicar aos leigos e à primeira vista,
sempre acabava reconstruindo e criando novas obras a partir dali.
É importante
salientar que todas essas relações dos jogadores entre si e com os produtos
culturais envolvidos no jogo, são mediações. Assim, o jogo de RPG também
permite um pensamento dialégico e mais holístico da realidade, pois seus
jogadores resignificam interiorizando e exteriorizando produções culturais como
cinema, livros, quadrinhos e música (SCHMIT, 2008, p. 72).
Uma iniciativa de sucesso ligando o RPG
à Educação e que merece uma menção à parte por suas ligações com a Arte e por
sua possibilidade de trabalho com os três eixos de aprendizagem, contextualização, apreciação e produção,
é o RPG Incorporais, que com a denominação
Técnicas para Narrativas Interativas é
capaz de trabalhar os conteúdos, competências e a interdisciplinaridade a
partir da meta do sistema, baseada na diversão
e no aprendizado inerente a seu projeto lúdico-pedagógico.
Incorporais apresenta características que servem
para trabalharmos diversas possibilidades a partir de três estratégias,
destacadas em seu livro de regras Incorporais - Módulo Básico:
1. Desenvolvimento
espontâneo de competências a partir da prática do RPG, tais como: criatividade,
sociabilidade, cooperação, causalidade (ações têm consequências) etc. Para essa
estratégia é comum se adotar RPG como atividade extraclasse ou incentivar
“clubes de RPG” na escola;
2. Através
da narratividade e do poder de simulação do RPG trabalhar conteúdos de forma
mais lúdica e tornar sua aplicabilidade mais clara para os alunos. A
narratividade também facilita projetos interdisciplinares;
3. Verificar
se os alunos apreenderam corretamente os conceitos apresentados em sala,
criando narrativas em que tenham que aplicá-los para superar alguns dos desafios
enfrentados por suas personagens no enredo.
O sistema se diferencia de outros RPGs
logo na chamada pré-sessão, o momento que antecede a partida. Em Incorporais, a
pré-sessão é um momento crucial para o jogo, aquele em que se definem as
estratégias que o professor pode utilizar.
Na fase de pré-sessão
também se decide quem serão os mestres de jogo dos alunos-jogadores. Se forem
usados outros alunos, estes devem ser treinados nos propósitos de um RPG para
fins educacionais. A fase seguinte é a sessão propriamente dita, quando os
alunos jogam RPG via TNI. Esta é a fase em que o sistema de regras é utilizado
para que roteiro e personagens ganhem vida. Esta é a fase mais dinâmica da TNI.
Na pós-sessão são avaliados os resultados da atividade, corrigidos eventuais
erros e há um desdobramento prático com os alunos, quando se solicita uma
produção deles (INCORPORAIS - MÓDULO BÁSICO, 2008, p. 01).
Aqui temos um
ponto-chave do RPG para a exploração no mundo das artes. É parte de sua metodologia
que os alunos criem após a sessão. As produções não são limitadas. “Neste jogo,
este é um passo fundamental e deve ser registrado seja sob forma escrita,
visual, cênica, musical, tanto faz. Este material poderá ser incluído no livro
aberto ou no site do jogo, conforme já foi explicado na Introdução” (INCORPORAIS - MÓDULO
BÁSICO, 2008, p. 02). É interessante verificar que a produção resultante é riquíssima e
abrange diversas áreas; podendo ser uma produção:
· Verbal: com produção de
blogs, jornais, textos, poesias, etc.;
· Sonoro: composições,
músicas, gravações, conjunto de sons ou ruídos, etc;
· Visual: escultura, desenhos, pinturas, retratos, fotografias, instalação,
etc.;
· Multimídia: performance,
vídeo, websites, jogos de computador, livros-jogo,
HQs, etc.
Além disso, o jogo foi concebido a
partir de um método denominado Design Poético, um método projetual que é ligado
a outras manifestações e produções artísticas, transitando entre dois suportes: impresso e digital.
Observando as características acima acerca
dos resultados das aplicações do jogo, fica evidente como o RPG Incorporais leva o aluno a produzir. Já a criação do personagem
exige uma conceitualização detalhada, o que leva o jogador a refletir e contextualizar suas personas.
Além da ambientação e das regras do
jogo, podem ser acrescentadas, retiradas e alteradas histórias e personagens
indefinidamente, em qualquer ordem. Os jogadores podem participar diretamente
da estrutura do livro, intervindo nela, acrescentando seus textos e valendo-se
da sua própria tecnologia doméstica para imprimir suas páginas. Daí deriva o
nome do jogo e do projeto: incorporação de material ao livro resultante de
refiguração da realidade, colocando os sujeitos em processo e alterando suas
relações incorporais com o mundo (BERTTOCCHI, 2007, p.13).
Rocha (2010) cita como diferentes
atividades podem ser agregadas às aulas com a utilização do RPG, com concursos
de fantasia, minicursos de desenhos, modelagem e criação de armaduras em papel.
“[...] tudo isso demonstra que o universo dos praticantes de RPG tem muito a
oferecer, quando se trata de desenvolvimento da criatividade” (ROCHA, 2010,
p.135). Expostos os fatos, apreciar as diversas obras produzidas, sejam as
próprias ou dos outros jogadores, ou ainda aquelas incorporadas às sessões através
no narrador, parece-me este o eixo mais natural para o jogo enquanto
consequência direta do ato criativo, seja através das mesas de jogo, nos LARPS
ou em eventos de RPG tais quais encontros e oficinas.
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